EMBRIÕES DA EXTENSÃO RURAL DE BASE AGROECOLÓGICA NO PIAUÍ: A TRAJETÓRIA DO CEPAC (2023)
Este
artigo é inspirado em parte do trabalho monográfico intitulado “Encontros e
desencontros com a Extensão Rural – estudo de caso sobre a trajetória
extensionista do Centro Piauiense de Ação Cultural - CEPAC” submetido à
Universidade de Brasília- UNB, em junho de 2005, compondo a Especialização em
Extensão Rural para o Desenvolvimento Sustentável da UNB.
Aqui se destaca brevemente a trajetória de uma
das organizações pioneiras na abordagem agroecológica no Piauí, O CEPAC, os
caminhos percorridos desde sua ação sindical urbana militante, até sua chegada
na zona rural do Estado enquanto ação de assessoria junto à agricultura
familiar, ação extensionista, seus encontros e desencontros na construção de
alguns dos embriões que inspiraram a extensão rural de base agroecológica no
Piauí
Segundo Medeiros (1984), no
Piauí, este sentimento materializou-se no fortalecimento dos movimentos de
professores das redes pública e privada, favelados, moradores de conjuntos da
COHAB, trabalhadores rurais, estudantes, donas de casa. Ressalte-se que maior
parcela destes movimentos concentrava-se na capital, Teresina. No interior, os
movimentos de trabalhadores rurais ganham destaque no cenário estadual a partir
da vitória de oposições sindicais, conflitos pela posse de terras, movimento de
mulheres pela extração de babaçu, surgimento de bancos de sementes e das
Associações Comunitárias de Produção e Consumo (ACPC). Estas iniciativas,
partindo de organizações espontâneas e/ou institucionais, demandavam
profissionais qualificados em nível local.
Estes dois componentes,
conjuntura favorável e necessidade por profissionais qualificados, fizeram
nascer, em outubro de 1980, no Piauí, mais precisamente em Teresina, a ideia de
um centro de apoio aos movimentos populares. À época, apenas a Comissão Pastoral
da Terra (CPT) assumia a tarefa de assessoria política, contava-se também com
algumas iniciativas da diocese de Picos, que estava iniciando, e das paróquias
da cidade de Esperantina e a do Parque Piauí, bairro de Teresina.
A primeira ação da equipe do
CEPAC foi elaborar um projeto e encaminhá-lo ao Movimento dos Leigos da América
Latina - MLAL. A proposta foi considerada “audaciosa” pela agência e não
conseguiu aprovação. Segundo Bonfim (1985), o sonho era prestar assessoria aos
movimentos sociais de bairros, sindicatos e grupos de oposição sindical,
oferecendo serviços de formação, assessoria jurídica e mecanografia. Embora sem
recurso institucional, foram realizadas algumas atividades de formação. A
primeira foi um curso sobre “Sindicalismo”, em junho de 1981, que contou com a
participação de 15 pessoas, sendo ministrado por dois assessores, sendo um do
Centro de Ação Comunitária - CEDAC (São Paulo), e outro da CAPPS (Rio de
Janeiro).
Na oportunidade, esses
assessores, também, ajudaram a rediscutir o projeto inicial, sugerindo algumas
alterações. Além disso, o CEDAC encaminhou o projeto para Ação Quaresmal Suíça
- FASTENOPFER, e em [fevereiro-abril] de 1982 a mesma liberou um recurso a
título de urgência de 7.500,00 francos suíços, equivalentes, à época, a
3.827,00 dólares. Com este recurso foi possível comprar equipamentos e realizar
várias atividades: cursos sobre sindicalismo urbano, autonomia popular e solo
urbano, sindicalismo rural, sindicalismo pra mulheres, teologia da libertação;
seminários sobre educação popular, seminário regional sobre solo urbano,
seminário sobre saúde popular, encontros sobre fé e política e encontros com
intuito de organizar a Central Única dos Trabalhadores – CUT, além das
atividades de assessoria sindical urbana e rural.
Em 20 de maio de 1982 o CEPAC
nasce oficialmente. Por ainda se tratar de um período de repressão, o primeiro
desafio foi encontrar um nome que evitasse patrulhamentos ou restrições
burocráticas e políticas, e por conveniência, adotou-se CENTRO PIAUIENSE DE AÇÃO CULTURAL. Protegido pelo codinome
cultural, o CEPAC organizou-se para prestar um serviço à época revolucionário:
contribuir para a formação de um movimento social crítico, contestador e que
lutasse por conquistas de direitos no Piauí, reforçando a luta pelo fim do
regime autoritário brasileiro.
Para atingir seus objetivos, o
CEPAC dividiu suas atividades em equipes específicas, a saber: Sindicalismo
Rural, Sindicalismo Urbano, Periferia Urbana, Comunicação e Documentação,
propondo-se a engendrar, em linhas gerais, as ações de: estudos e pesquisas; capacitação de pessoal; assessoria técnica na
elaboração e execução de projetos comunitários; edição de textos e outros
materiais; assessoria jurídica; intercâmbio com entidades afins (Art. nº 20 do
Estatuto do CEPAC).
Mesmo sendo prioridade o meio
rural, a necessidade por transformações mais profundas no Estado, exigia do
CEPAC ações que pudessem fortalecer resistências sociais em outros setores.
Eram crescentes as demandas em Teresina, porém, o grau de organização da
sociedade civil era baixo. O CEPAC tenta atuar em todas as áreas do movimento
popular rural e urbano: movimento de mulheres, negros, sindicalistas,
associações de bairros e até uma tentativa de alfabetização de adultos.
Na contramão, entre o desejo e
a necessidade, o CEPAC convivia com um fator limitante, um pequeno número de
profissionais para tanta demanda. Quem atuava no CEPAC era voluntário e
trabalhava em outros locais, maioria em instituições do Estado, podendo dedicar
apenas os finais de semana e horas vagas, inclusive as noites. Este fator foi
fazendo os setores urbanos ganharem maior importância na atuação do Centro.
O primeiro momento de reflexão
da equipe técnica sobre sua atuação, teve como ponto de partida o texto “Primeira meditação cepaqueana – CEPAC 83:
Deslancha ou diz porque não deslancha”, elaborado pelo professor Antônio
José Castelo Branco Medeiros, um dos idealizadores do Centro. A relevância
deste documento que embasou a primeira avaliação da equipe do CEPAC é a
caracterização dos grupos e movimentos populares existentes no Estado. Os principais
pontos abordados podem ser divididos em três categorias: “grupos residenciais”:
caracterizados como movimentos difusos e espontâneos, existente nas favelas,
periferias urbanas, nos conjuntos habitacionais e nas cidades de médio porte;
“grupos especiais”: estudantes universitários e secundaristas, os artistas, os
movimentos de mulheres, de homossexuais, os ecologistas e outros; e os
“movimentos populares de categorias profissionais”: considerados fundamentais
para as mudanças sociais mais profundas, porém apresentando como limite o
conformismo e existência de direções “pelegas” nos sindicatos, foram
consideradas três condições básicas: i) nível de organização da categoria; ii)
participação em lutas; e iii) a participação de lideranças que emergiam,
podendo assumir posições estratégicas.
Nesta última categoria foram
incluídos os trabalhadores rurais e caracterizados como movimento popular, rede
com nível razoável de organização e ocupantes de posição especial:
Os trabalhadores rurais ocupam uma posição
especial. É o MP de maior amplitude quantitativa. Possui uma grande rede
organizativa. Conseguem um nível razoável de mobilização, variável conforme os
sindicatos. Como a categoria é numerosa, mesmo uma mobilização relativa, em
termos absolutos (MEDEIROS, A. J, 1984)
Mesmo considerando a forte
influência marxista que norteou o surgimento do CEPAC, o documento não envereda
para os debates existentes sobre o futuro e as características do campesinato nas sociedades capitalistas ou semi-capitalistas. Trabalhadores urbanos e
trabalhadores rurais são separados apenas por espaços de atuação, destacando
apenas a quantidade numérica da segunda.
O documento discorre sobre as
ações dos sindicatos, identificando-as como ações meramente assistencialistas,
os serviços oferecidos de assessoria jurídica aparecem como positivos, apesar
de caracterizados como de pouca ação coletiva, tratando na maioria das vezes
apenas de questões pessoais e isoladas. Por outro lado, nas questões de
conflitos pela posse da terra, os serviços jurídicos ganharam destaque, e a CPT
teve papel relevante no Estado.
Numa outra frente, deu-se
início a um processo de descentralização das atividades através do incentivo a
construção de novos centros de formação. Como primeiro resultado, no ano de
1984, a partir do trabalho da paróquia de Esperantina foi fundado o Centro de
Educação Popular Esperantinense - CEPES. O mesmo passou a assessorar os
movimentos da cidade e do campo dos municípios do entorno a Esperantina. O
surgimento do CEPES possibilitou a divisão do trabalho na região, permitindo ao
CEPAC tempo para produzir várias apostilas que foram sendo usadas nos cursos de
formação sindical.
Ampliando as ações em parceria
e também fazendo parte da estratégia de aproximação com a FETAG, o CEPAC apóia
o 4º Congresso de Trabalhadores Rurais no Estado do Piauí. No intuito de
consolidar um bloco que atuasse para desenvolver algum tipo de trabalho
metodológico para apoio aos movimentos populares, surgiu a chamada “Articulação
com Entidades” (CEPAC, CPT, CEPES e Movimento de Educação de Base - MEB, etc),
que começaram a pensar atividades na linha da formação teórica e política.
Estas atividades possibilitaram a reflexão sobre qual deveria ser a função de
um centro de assessoria popular.
Estas reflexões ajudaram o
CEPAC, em 1985, a eleger quatro princípios norteadores para sua ação, i)
assumir como papel principal a assessoria indireta, combinado com o
acompanhamento, que o CEPAC denominava de assessoria direta; ii) favorecer a
constituição de fóruns próprios dos movimentos populares, garantindo-lhes
autonomia; iii) assumir o trabalho em parceria com outras entidades, ou seja,
assumir a dupla articulação com movimentos que tinham a mesma opção
metodológica; e iv) incentivar a regionalização do trabalho de assessoria
popular para evitar a concentração das ações, multiplicando os trabalhos e
garantir proximidade com as bases. Na tentativa de sedimentar estes princípios,
o CEPAC optou pela profissionalização de alguns militantes.
No meio rural vários conflitos
resultaram na conquista da terra, a exemplo do que acontecera nas comunidades
Barreiro do Otávio e povoado Cabeceiras, município de Barras. As mulheres
quebradeiras de coco babaçu mobilizavam-se pelo direito a extração e comercialização
dos produtos dos babaçuais.
A imprensa começava a notificar
os fatos políticos envolvendo as lutas sindicais e movimentos na periferia
urbana identificando os principais conflitos e suas lideranças. Neste período,
o CEPAC em conjunto com a CPT e o Centro de Estudos Alternativos – CEA, lançam
o jornal popular “Alternativa”, que passa vincular matérias com as informações
das várias categorias profissionais e movimentos populares. Havia um embrião da
ação em rede em curso e as ações passavam a ganhar consistência social.
Ao final de 1986, fora possível
fazer o seguinte balanço: conquista de 12 Sindicatos de Trabalhadores Rurais;
vitória das oposições sindicais no Sindicato dos Comerciários, Sindicato dos
Jornalistas, Sindicato dos Motoristas, Sindicato dos Gráficos e Sindicato dos
Vigilantes; criação do Sindicato das Assistentes Sociais e do Sindicato das
Enfermeiras de nível médio; greve de motoristas, greve dos comerciários, greve
dos gráficos; greve de jornalistas, greve de vigilantes, greve de enfermeiras;
criação da CUT; regulamentação de jornadas e condições de trabalho e
estabelecimento dos primeiros pisos salariais no Estado.
No início da década de 1980, as
pessoas que trabalhavam no CEPAC e nas ONGs eram quase todas educadoras
populares (historiadores, sociólogos, assistentes sociais, padres, freiras,
etc), preparadas para o trabalho político-organizativo. Esta condição refletia
a concepção que se tinham de assessoria política, em que as questões
organizativas eram prioritárias.
Com o passar dos anos, o trabalho na área
rural do CEPAC encontrou-se com os efeitos da forte estiagem que abateu o
nordeste brasileiro (1979-83). Não contando com profissionais da área produtiva
(agronomia, técnicos agrícolas, veterinária, os afins), que pudessem prestar
uma assessoria técnico-produtiva aos pequenos agricultores, o CEPAC não
conseguia responder as demandas desta natureza, oriundas de projetos
comunitários dos pequenos agricultores e de suas necessidades diárias.
Entre as várias estratégias de
defesas construídas pelas comunidades no meio rural, no Piauí estava a
constituição das Associações Comunitárias de Produção e Consumo – ACPC e os
bancos comunitários de sementes. Para o CEPAC é o momento de perceber que os
trabalhadores rurais precisavam ser identificados também como agricultores. Por
sua vez, estes passam a cobrar cada vez mais do Centro um acompanhamento que
pudesse garantir os aspectos técnico produtivos.
Esta conjuntura levou o CEPAC a contratar
agrônomos e técnicos agrícolas, técnicos da área de produção rural, que em
contato com os técnicos da área social, possibilitaram novas percepções e
formulações sobre o meio rural e as pessoas que ali vivem. Neste momento
pode-se falar numa releitura das questões técnicas e político organizacional do
universo histórico-cultural das comunidades para o CEPAC. Esta situação é muito
mais uma imposição da conjuntura do que uma deliberação da entidade, colocando
o CEPAC no caminho da extensão rural e posteriormente no caminho da
agroecologia.
Isso ocorreu no meio de uma
crise de estratégia, que, por um lado priorizava as ações sindicais e os
sindicatos, vendo as associações de pequenos produtores com maus olhos pelo
“risco” de desviar o foco da ação e tomar parte do tempo que deveria ser dedicado
à luta sindical. Teoria que não se sustentou e, coincidentemente ou não, nas
fases posteriores do trabalho rural, o Centro elege o trabalho com as
associações como uma das suas principais estratégias.
A necessidade de conseguir
sementes para o plantio fez com que as Associações de Bancos de Sementes se
proliferassem nos municípios. A estiagem havia levado as famílias a perderem
suas sementes, além do que os bancos de sementes eram uma estratégia que resgatava
uma prática ancestral, armazenar sementes para os períodos de crise. As
Associações de Banco de Sementes foram potencializadas pela política
emergencial de distribuição de sementes, campanha realizada em todo nordeste,
pela Confederação Nacional dos Bispos do
Brasil – CNBB, após o período de estiagem (1979-83).
Desta campanha no Piauí participaram: FETAG, CPT, alguns STRs e o CEPAC, que
ficou responsável pela distribuição de sementes em cinco (05) municípios.
[...] partiu-se
da ideia do Banco de Semente pra uma ideia mais duradoura de constituir dali
uma Associação de Produção que teria como berço à garantia de nunca mais faltar
sementes, porque eles desenvolveriam a semente no caso, pra associação, a
associação guardaria e no ano seguinte, teria, e a partir daí, na medida do
possível, ampliando o raio de ação dessa associação (NOGUEIRA, M. S, grifo
nosso)
Percebe-se, então, que a
reorientação do trabalho do CEPAC em campo está diretamente relacionada com o
surgimento das Associações de Bancos de Sementes. O CEPAC foi sendo levado a
contribuir com a constituição destas associações sem ter refletido internamente
qual o papel deste tipo de organização. Esta ação, vista como
espontaneísta, foi duramente criticada
internamente.
Agora no caso de União a ideia veio em pouco de lá, de
querer uma associação e eles fizeram pra
que a gente fizesse o projeto; fizeram o pedido pra que a gente fizesse o
Estatuto e a gente foi fazendo, ai hoje está lá a Associação legalizada.
Tanta gente achou problemática a idéia de fazer esta Associação de uma hora pra
outra, que nós não incentivamos em
outros lugares (NOGUEIRA. 1985, grifo nosso).
Forçado a apoiar a fundação da
Associação de Consumo e Produção Comunitária do município de União, o Centro
foi internamente criando uma resistência na constituição de novas associações.
Esta resistência não conseguiu evitar que outras associações fossem
constituídas em outros municípios assessorados pela entidade. Caso emblemático
aconteceu no município de Campo Maior, aonde o CEPAC tentou desestimular a
iniciativa das comunidades.
Lá em Campo Maior o pessoal queria fazer e nós
chegamos lá e resolvemos foi desestimular, aconselhar a esperar mais pra saber
o que é que é isso, (...) O pessoal de já queria fundar, inclusive eu fui,
cheguei lá, já estavam esperando dizendo que era, que já era pra eu levar o
Estatuto; eu digo: rapaz, é assim com essa pressa toda! (NOGUEIRA, 1985)
A partir do ano 1986, cresce a
demanda ao CEPAC por apoio técnico, administrativo e institucional a projetos
que trouxessem ganhos efetivos na renda e melhoria no nível de vida. Estas
iniciativas estavam sempre sob o controle dos próprios grupos de trabalhadores
e relacionados com o trabalho educativo.
Mesmo não tendo uma resolução
clara sobre qual a melhor estratégia a adotar em campo, o apoio a projetos
econômicos alternativos foi levando o CEPAC a mudar sua visão em relação à
problemática rural[6].
Um grande marco foi no ano de
1993, o CEPAC realizou um seminário para definir sua linha de ação no meio
rural. Este seminário foi assessorado por Silvio Gomes da AS-PTA, que fez o
CEPAC aproximar-se da Rede de Projeto de Tecnologias Alternativas – Rede PTA.
Como resultado, o Centro elegeu como área prioritária o município de Campo
Maior- Piauí [7],
abandonando definitivamente o trabalho de assessoria sindical como centro.
Depois da realização de um
Diagnóstico Rápido Participativo de Agroecossistemas – DRPA, foram priorizados
os trabalhos com tecnologias alternativas de produção, a partir das unidades
demonstrativas - UDs, unidades de transferência tecnológicas de caprinos –
UTTs. O CEPAC passa de vez para o trabalho na extensão rural com base
agroecológica.
Ao longo de dez anos, o CEPAC
apostou na difusão de tecnologias alternativas de produção, casando esta
política com a assessoria as associações de pequenos agricultores. Um misto de
assessoria direta (acompanhamento) com assessoria indireta. Para difundir estas
tecnologias, na qualidade de mediadores do conhecimento, o CEPAC elegeu alguns
agricultores, denominados de Agricultores Multiplicadores.
Indiscutivelmente, de longe,
este foi o trabalho mais consistente do Centro na área rural. O uso das
tecnologias alternativas permitia uma maior produtividade de grãos, processos
de adubação de solos e novas formas de preparo das áreas. Surgiram os roçados
permanentes. Estas técnicas foram sendo paulatinamente difundidas pelos
agricultores multiplicadores a partir dos dias de campo e das visitas às UDs e
UTTs.
A segunda metade dos anos 1990
vai trazer para o meio rural um conjunto de demandas e políticas públicas,
muitas vão contribuir para o incipiente trabalho de assessoria agroecológica,
entre as quais vale destacar o surgimento do Programa Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Familiar – PRONAF (1996), o projeto LUMIAR (1997) e o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA (1998).
Ao
final dos anos 1990, dados os constantes efeitos das secas e o total descaso
dos seguidos governos, surge no rural nordestino uma rede de organizações com
foco nas ações de convivência com o Semiárido, agroecologia aplicada à região.
A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). No Piauí a ASA se materializa no
Fórum Piauiense de Convivência com o Semiárido. Com a ASA, surge também o
Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC). Neste período o CEPAC vinha
desenvolvendo seu trabalho de assessoria agroecológica mais focado no município
de Sigefredo Pacheco.
Em 2002, durante a realização
do primeiro Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), na cidade do Rio de
Janeiro, o CEPAC organiza uma pequena delegação composta por técnicos de suas
equipes internas e alguns agricultores de comunidades em Sigefredo Pacheco
assessoradas pela entidade.
Em uma nova reorganização das
estratégias do CEPAC, já tendo a clareza que a agroecologia deveria ser sua
principal estratégia de atuação no campo, em 2004, o CEPAC passa a integrar a
comissão organizadora do Encontro Nacional da ASA (V ENCONASA), realizado em
Teresina, em novembro do mesmo ano. Ainda em 2004, passa a integrar a Rede de
Assessoria Técnica e Extensão Rural do Nordeste (Rede ATER/NE), que congregava
treze ONGs de quatro Estados: Pernambuco (Centro Sabiá, Caatinga, Diaconia e
Assocene), Bahia (MOC, Apaeb, Ascoob
e Sasop); Paraíba (AS-PTA e Patac);
Ceará (Esplar e Cetra) e Piauí (CEPAC). A Rede ATER/NE surgiu a partir do
processo que se abriu com o diálogo sobre a nova política nacional de ATER,
coordenada no Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA, pelo Departamento de
Assistência Técnica e Extensão Rural – DATER. Na rede ATER/NE se tinha muito
claro que a construção da agroecologia no Semiárido e no Nordeste passava
necessariamente por dentro da ASA, e que era necessário construir um programa
agroecológico para apoiar as famílias agricultoras e fortalecer as experiências
nos territórios. Era preciso ganhar mais organizações e pessoas para a pauta
agroecológica. A partir do final de 2004, o CEPAC passa a integrar a
coordenação executiva da ASA, e na ASA, passa a compor à coordenação nacional
da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
De 27 a 29 de abril de 2006,
com mais de 130 pessoas, de todas as regiões do estado, o Piauí realiza o
primeiro Encontro Estadual de Agroecologia (EPA), ação coordenada pelo Fórum
Piauiense de Convivência com o Semiárido, pela Via Campesina e pela Coordenação
Estadual de Comunidades Negras do Piauí. O EPA foi preparatório ao II ENA que
aconteceu de 02 a 6 de junho de 2016 na cidade de Recife. O Piauí participou do
II ENA com 60 delegados e delegadas, 2/3 de agricultores e agricultoras.
Nessa trajetória do CEPAC, saiu
da conceituação de trabalhadores rurais, sujeitos coletivos capazes de fazer
mudanças sociais a partir da ação sindical, para o conceito de agricultores
familiares, sujeitos de necessidades e sentimentos. Propôs-se discutir a extensão rural a partir da
observação, do diálogo e da compreensão do que é a agricultura familiar e com foco na agroecologia.
Partindo do pressuposto que é preciso aprender com a própria agricultura
familiar, compreender suas dinâmicas, processos de diálogo, trocas e
complementaridades, estabelecendo uma lógica sistêmica da produção familiar.
Na lógica convencional da
extensão rural, o crédito e a assistência técnica eram centrais ao
desenvolvimento, atrelados diretamente a um subsistema, geralmente utilizados
na potencialização de monoculturas, condenando a agricultura familiar a forte
endividamento. Na contra mão das políticas de crédito e da assistência técnica
oficial, a nova extensão rural proposta exigia trabalho orientado pela
observação das dinâmicas dos sistemas produtivos da agricultura familiar, que
trocam insumos e energias entre seus subsistemas e se relacionam com outros
sistemas no entorno.
Construir uma nova extensão
rural significaria construir novos valores, novas formas de ver o mundo: sem
transformação do individuo coletivo não há transformação coletiva. Era preciso
reconhecer erros históricos e querer mudá-los. Na ação do CEPAC, durante muito
tempo foram trabalhadas as tecnologias alternativas e priorizados subsistemas
produtivos, quase sempre os roçados, a criação de pequenos animais e os
quintais. Embora esta ação desenvolvida tenha sido importante, não podia ser
chamada de ação agroecológica, no máximo, de “boa vontade” agroecológica.
Prova disto, é que o longo tempo de trabalho
nas Unidades Demosntrativas - UDs e nas Unidades de Transferência de
Tecnologias - UTTs de Caprinos não conseguiram potencializar a independência
dos sistemas produtivos das famílias acompanhadas. Ao contrário, estas passaram
cada vez mais a necessitar da ação do Centro para conseguir insumos, a exemplo
do bagaço da palha de carnaúba.
Na verdade, a ação que se
propunha ser agroecológica era bem pontual, centrada em experiências difundidas
pelos agricultores multiplicadores e esporadicamente nos dias de campo, talvez
por isso, é que apesar de conseguir difundir técnicas agroecológicas, não
avançou no processo de transição agroecológica dos sistemas produtivos.
Para traçar a “nova extensão
rural” era preciso identificar rumos, conhecer os agricultores e agricultoras e
suas formas de organização, sua dinâmica, sua lógica, seus valores, suas
experiências, sua história e, porque não, suas pretensões. Era imprescindível reconhecer que agricultoras e agricultores
têm experiências acumuladas, embora não sistematizadas. Era preciso reconhecer
a importância de tais experiências para iniciar qualquer diálogo. Este
reconhecimento e valorização não poderiam ser artificiais, o/a extensionista
precisaria estar convencido desta premissa.
Aquele era um bom exercício
para construção coletiva de conhecimentos agroecológicos entre extensionistas e
agricultoras e agricultores familiares. Não era um passo fácil de se transpor,
requeria dedicação, qualificação das equipes técnicas, estudos, pesquisas,
reflexões e elaborações sobre a produção de saberes. O resultado daqueles
diálogos deveriam ser materializados em elaboração teórica, sistematização,
publicação de trabalhos e pesquisas participantes.
O conhecimento agroecológico
não poderia concentrar todos os seus esforços no estudo das práticas de
produção. Estas foram importantes e ajudaram na compreensão dos sistemas
produtivos, porém era preciso valorizar outras dimensões da vida em comunidade,
possibilitando o resgate de conhecimentos usurpados e transformados em
mercadorias. Iniciar o processo de construção do conhecimento agroecológico não
poderia ser algo abstrato, deveria partir de algo concreto, nos sistemas
produtivos. O processo deveria se concretizar a partir da transição
agroecológica, discutida, percebida e construída nas dimensões do
desenvolvimento sustentável.
Estabelecer uma nova forma de
acompanhamento técnico, compreender a agricultura familiar e consolidar um
diálogo entre o conhecimento técnico e os conhecimentos tradicionais dos
agricultores, eram o principal desafio da “nova extensão rural” ali proposta.
A tarefa posta para a extensão
rural naquela conjuntura era a de compreender a agroecologia como proposta de
desenvolvimento sustentável, partindo da análise dos sistemas produtivos e suas
inter-relações, trabalhando a transição agroecológica como processo,
potencializado pelas experiências de convivência com os ecossistemas.
Era oferecer acompanhamento
técnico e oportunizar intercâmbios entre agricultores e as outras áreas do
conhecimento, possibilitando capacitações e sistematização de experiências no
fortalecimento de uma rede que tenha como centro os agricultores. Aquele momento
era a oportunidade de participar da construção e consolidação de um projeto de
desenvolvimento sustentável que prioriza o saber, a produção, e antes de tudo,
prioriza as pessoas.
O esboço do projeto estratégico
do programa de Desenvolvimento Rural Sustentável no CEPAC foi fundamentado nos
aprendizados das várias etapas vivenciadas, sendo reflexo de processos e
transformações, debates pautados em análise de conjuntura, opções políticas,
escolha de métodos e técnicas, estudos de viabilidade, necessidades locais,
regionais, nacionais e até da redefinição de linhas de ação de entidades da
cooperação internacional.
Em muitos momentos, o CEPAC
afastou-se do debate, reflexo de crises internas, trocas constantes de equipes
e pouca clareza sobre qual a estratégia que a entidade deveria adotar no meio
rural. Sem a clareza institucional necessária, as equipes foram construindo
seus dilemas e alternativas e soluções, o que possibilitou erros e acertos,
sobretudo, interrogações, que se estenderam até o encerramento de suas
atividades.
Muitas vezes definir a
estratégia não significa sua implantação na prática. Fatores como falta de
recursos, demandas e dinâmicas do dia a dia em campo, processos de
internalização da proposta pelas equipes, riscos da estratégia virar pacotes de
caráter alternativo, dentre outros, refletem fragilidades, equívocos,
resultados inesperados.
A agroecologia na agricultura
familiar apresenta-se com o caminho para a construção desta nova extensão
rural. Partir das indagações deve ajudar a extensão rural a construir respostas
e formular muitos outros questionamentos relativos à sua prática cotidiana.
Esse é o dilema de várias outras organizações de ATER ainda nos dias atuais.
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[1]
CEPAC, 1995 – Relatório de Atividades.
[6] CEPAC, Memória histórica (Versão
Preliminar).
[7] E posteriormente, com a emancipação, o município de Sigefredo Pacheco- Piauí.
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