Programa Cisternas em primeira pessoa

Escuta do MDS revela a visão das famílias sobre a política pública de acesso à água

 Por Antônio Gomes Barbosa, sociólogo, coordenador dos programas Uma Terra e Duas Águas (P1+2) e Sementes do Semiárido da Articulação Semiárido Brasileiro.

O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) divulgou os resultados de uma pesquisa de satisfação realizada com beneficiários do Programa Cisternas. A pesquisa atendeu às exigências do Decreto nº 8.726/2016 e da Lei nº 13.019/2014, que estabelecem a obrigatoriedade de escuta das usuárias e usuários em parcerias com organizações da sociedade civil, como é o caso do Termo de Colaboração nº 896886/2019, celebrado com a Associação Programa Um Milhão de Cisternas (AP1MC).

Apesar do uso de um instrumento remoto e da amostra reduzida, os resultados obtidos são reveladores. De 473 tentativas de contato com beneficiários de cinco estados do Semiárido (MG, PB, PE, RN e SE), 130 pessoas responderam integralmente à pesquisa via WhatsApp. Desse total, 98,5% afirmaram estar satisfeitas ou muito satisfeitas com a qualidade da cisterna recebida. Para 95,9% dos entrevistados, houve redução significativa no tempo antes dedicado à busca de água. Além disso, 98,5% disseram ter recebido formação adequada sobre o uso e a manutenção da tecnologia, e 96,2% avaliaram positivamente o trabalho das equipes executoras.

Os dados apresentam coerência com outras avaliações nacionais. O estudo do IPEA (2021) destaca que o Programa Cisternas contribuiu para a redução de doenças de veiculação hídrica, melhoria na permanência escolar e fortalecimento do papel das mulheres como lideranças comunitárias.

O Programa Cisternas recebeu reconhecimento internacional por sua efetividade socioambiental e inovação social. Em 2009, o Programa Cisternas foi agraciado com o SEED Award, promovido pela iniciativa SEED, uma parceria entre o PNUD, PNUMA, IUCN e outras organizações internacionais, reconhecendo-o como uma iniciativa exemplar de sustentabilidade em países em desenvolvimento. Em 2017, o Programa Cisternas recebeu o Prêmio Prata do Future Policy Award, concedido pelo World Future Council, em parceria com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), reconhecendo-o como uma das melhores políticas públicas globais no combate à desertificação e na promoção da convivência com o Semiárido. Esses reconhecimentos internacionais reafirmam a relevância do programa como referência mundial em adaptação climática, segurança hídrica e resiliência socioambiental baseada em tecnologias sociais.

Outro elemento que reforça a confiabilidade dos resultados é o fato de que a percepção das famílias entrevistadas se alinha ao que estudos qualitativos anteriores também apontaram: as cisternas de placas e calçadão são vistas não apenas como soluções técnicas, mas como marcos de dignidade, cuidado e autonomia. Conforme apontam Maluf e Burlandy (2022), políticas sustentáveis requerem não apenas infraestrutura, mas também formação cidadã e participação popular. Nesse sentido, o Programa Cisternas tem promovido uma transformação paradigmática na relação entre Estado e sociedade, pautada na escuta e no protagonismo territorial.

O uso de ferramentas digitais, como o WhatsApp, pode trazer limitações metodológicas, sobretudo em regiões com baixa conectividade. Ainda assim, os altos índices de satisfação indicam não apenas a aprovação das tecnologias, mas também a capacidade do programa em manter seu valor estratégico mesmo em contextos de retração de recursos e mudanças institucionais. Além disso, a metodologia adotada pela pesquisa do MDS está em conformidade com o previsto legalmente, o que confere legitimidade formal às conclusões apresentadas.

Mais do que confirmar a eficiência do Programa Cisternas, a pesquisa atual aponta para a necessidade de sua expansão. A escuta dos beneficiários deve se tornar prática permanente, e não apenas dispositivo legal. A efetividade de políticas públicas se mede também pelo grau de adesão simbólica, pelo reconhecimento social de seu valor e pela capacidade de provocar mudanças duradouras. O Programa Cisternas, com mais de 1,3 milhão de reservatórios instalados em todo o Brasil até 2021, demonstra que é possível construir soluções simples, eficazes e justas quando há escuta, território e confiança.

Referências

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Relatório da Pesquisa de Satisfação do Termo de Colaboração nº 896886/2019. Brasília: MDS, 2025.

FAO – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E A AGRICULTURA. Marco de referência para sistemas alimentares e clima. Roma: FAO, 2022. Disponível em: <https://www.fao.org/3/cc3511pt/cc3511pt.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2025.

IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Avaliação do Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e outras Tecnologias Sociais (Programa Cisternas). Brasília: IPEA, 2021. Disponível em: <https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/11009>. Acesso em: 6 jun. 2025.

IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Programa Cisternas já beneficiou mais de um milhão de pessoas. Revista Desafios do Desenvolvimento, n. 61, nov.–dez. 2009. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1451:catid=28&Itemid=23>. Acesso em: 6 jun. 2025.

MALUF, R. S.; BURLANDY, L. Sistemas alimentares, desigualdades e saúde no Brasil: desafios para a transição rumo à sustentabilidade e promoção da alimentação adequada e saudável. Rio de Janeiro: CERESAN/UFRRJ, 2022. (Texto para discussão nº 81). Disponível em: <https://www.ceresan.net.br/wp-content/uploads/2022/07/Maluf-RS-Burlandy-L_Sistemas-alimentares-desigualdades-e-saude-no-Brasil_TD_81_final-1-1.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2025.

SEED INITIATIVE. 2009 SEED Award Winners. Bonn: SEED Initiative, 2009. Disponível em: <https://seed.uno/articles/seed-award-winners/2009-seed-award-winners.html>. Acesso em: 6 jun. 2025.

WORLD FUTURE COUNCIL. Future Policy Award 2017: celebrating best policies to combat desertification. Hamburgo: WFC, 2017. Disponível em: <https://www.worldfuturecouncil.org/p/2017-desertification/>. Acesso em: 6 jun. 2025.

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