COP30: documento da Cáritas Brasil tem potencial para inspirar uma rede nacional de propostas
Antônio Gomes Barbosa
Quando a COP30 chegar a Belém do Pará, em novembro de 2025, o Brasil não estará apenas sediando um dos encontros mais decisivos da diplomacia climática. Estará também diante da oportunidade de mostrar ao mundo que as respostas à crise climática podem vir de baixo para cima, das comunidades e territórios que há décadas experimentam, criam e resistem.
Nesse sentido, a publicação recente do Documento de Posições da Cáritas Brasileira para a COP30 é mais do que um gesto institucional: é um exemplo de como transformar experiência acumulada em diretrizes políticas concretas. Organizado em sete eixos – financiamento climático com justiça fiscal, reconhecimento de perdas e danos imateriais, proteção a migrantes do clima, adaptação comunitária, mitigação centrada em direitos territoriais, transição energética justa e agroecologia como política estruturante – o texto combina princípios, diagnósticos e propostas detalhadas.
O diferencial está na forma de abordagem. Em vez de falar apenas de “compromissos” e “metas” abstratas, o documento parte de experiências concretas já aplicadas no Brasil, como o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), e as projeta como modelos escaláveis para políticas de adaptação por biomas. Ao tratar de perdas e danos, não se limita a custos de reconstrução: incorpora dimensões imateriais – pertencimento, identidade, espiritualidade – e sugere instrumentos para que essas perdas sejam reconhecidas e reparadas.
Essa clareza se repete em outros temas: a transição energética é defendida não como um simples “mais renovável”, mas como um processo que deve respeitar direitos, evitar impactos socioambientais e garantir participação real das comunidades afetadas; o financiamento climático é vinculado à justiça fiscal, à taxação de grandes fortunas e à destinação de recursos para organizações comunitárias; a mitigação é pensada a partir da proteção de territórios, não de mercados de carbono desregulados.
A importância desse movimento não está apenas no conteúdo, mas na mensagem implícita: é possível que a sociedade civil se organize e apresente propostas robustas, articulando valores, prática e viabilidade política.
É também uma inspiração para outras redes e organizações brasileiras. A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), movimentos indígenas, quilombolas, extrativistas e coletivos urbanos possuem experiências riquíssimas que, se sistematizadas em documentos semelhantes, poderiam se somar ao da Cáritas. Uma produção articulada desse tipo criaria uma grande teia de reflexões e orientações para a ação, capaz de influenciar não apenas a COP30, mas o debate climático brasileiro como um todo.
A crise climática exige mais do que discursos de ocasião: pede consistência, propostas concretas e capacidade de incidência. O documento da Cáritas mostra que é possível responder a esse desafio. Agora, resta saber quem mais aceitará o convite implícito e entrará nessa construção coletiva.
O documento da Cáritas pode ser conferidas em português e em inglês no portal da Cáritas - https://caritas.org.br/divulgacao/42
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