DEBATENDO O SEMIÁRIDO II - Seca de 1991 à 1993. A ocupação da SUDENE como marco na vida dos povos do Semiárido.

“O problema do Nordeste não é a falta de chuva, mas, o sub-aproveitamento, da água, dos 700 bilhões de metros cúbicos que caem por ano, 92% se perdem porque não há reservatórios para captá-los e também pela ação normal da evaporação,” 
Revista Veja de 24 de março de 1993
Antonio Gomes Barbosa é sociólogo e coordena o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) da Articulação Semiárido (ASA).
Aproveito a repercussão positiva do relatório da ONU sobre a diminuição da fome no Brasil em mais de 50% para socializar o segundo artigo desta série: Debatendo o Semiárido. Neste, discutimos os efeitos da seca de 1991 à 1993, possivelmente a última grande seca em termos de impactos tão negativos na vida das pessoas que aqui viviam. A partir desta, o que se viu, foi um forte movimento da sociedade no intuito de não mais permitir tamanhas tragédias. Um nível de organização invejável em todo o mundo. Um povo que resolveu tomar a direção do rumo de sua vida. A gênese do Programa de Convivência com o Semiárido.
O ano de 1993 marca o fim de uma seca prolongada que havia se iniciado em meados de 1991 , embora em termos de intensidade não possa ser comparada à que findara em 1983, a não existência de estruturas ou políticas de estoque (água, alimentos e forragem para os animais), tornava seus efeitos tão drásticos quanto às grandes proporções. Para piorar a situação, depois de quase 100 anos sem nenhum registro no país, vivia-se um surto de cólera, com maior incidência nos estados do Nordeste, deste o ano 1992. Mais de nove milhões de pessoas, metade da população da região, estavam sujeitas a sorte. Registros oficiais dão contar de 250 casos para cada grupo de 100 mil pessoas. Uma epidemia.
Tentando sobreviver, muitas comunidades afetadas pela seca organizavam saques a armazéns públicos para abastecer suas famílias. Muitas famílias migravam para as médias e grandes cidades, em especial para São Paulo, região sudeste. A expectativa de vida no Brasil era de 68,4, no Nordeste, de 65,5.
Se em 83 a igreja e os intelectuais tiveram uma forte contribuição para chamar a atenção dos descasos do Estado e pautar que a questão da seca era política e não fruto da natureza, na década de 1990 são os movimentos locais, em especial os sindicatos rurais, as pastorais e as suas organizações de assessoria com atuação na região que cumpriram este papel de grande valia. Sujeitos locais pautando suas demandas e necessidades. A ocupação da SUDENE é um marco na vida dos povos do Semiárido. Ali juntam três questões de grande relevância: i) A denuncia da total ausência do Estado, ii) negava-se a aceitar e naturalização da seca e da tragédia humana decorrente dela, e iii) lançava-se as bases para a elaboração de uma proposta pautada na vida e nas soluções construídas localmente. Um passo importante para posteriormente a formação da ASA e do programa de convivência com o Semiárido.
Como elemento complementar, vale relatar o importante papel que cumpriu “As caravanas da cidadania” do então candidato a presidente da República pelo Partido dos Trabalhadores, embora normalmente não relacionada nos relatos do Semiárido, quero destacar a importância destas sobretudo para visibilizar e criar unidades do resto do Semiárido com o vale do Jequitinhonha. As caravanas dialogavam com as demandas do Betinho e reforçavam que os problemas na região eram políticos e não da natureza.
Para ajudar nas sinapses, é importante ressaltar que o conceito de convivência com o Semiárido, tal como entendemos hoje, surge na região muito a partir de conceitos como tecnologias adaptada, ou, tecnologias apropriadas. A termo convivência com o Semiárido, apesar de incipiente e pouco carregado de conteúdo, também já aparecia no início dos anos de 1990 em publicações de organizações como PATAC na Paraíba, Caatinga e CPT em Pernambuco e também passa a ganhar força na Bahia a partir de organizações mais ligadas a igreja católica. O centro eram as tecnologias adaptadas: cisternas de placa, barragens subterrâneas, barreiros, caxios. Para além de práticas como forragem, cobertura de solos, curva de nível e outras práticas agronômicas. Importa reforçar que o conceito de convivência com o Semiárido foi ganhando conteúdo a partir dos princípios de educação popular.

CONTEXTO HIST´RICO - Como personagens destacadas desse período temos O Itamar Franco, presidente da República, Cássio Cunha Lima, Superintendente da SUDENE, Dom Helder Câmara, Bispo de Olinda e Recife e os movimentos sociais com atuação na região, com destaque para o movimento sindical rural organizado na CONTAG.

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