DEBATENDO O SEMIÁRIDO I - De 1979 à 1983 - “O Genocídio do Nordeste”.
Antonio Gomes Barbosa é sociólogo e coordenador do Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Uma Terra e Duas Águas (P1+2) da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)
Começo aqui uma série de pequenos artigos que socializo
especialmente neste espaço. Pelo limite do tamanho, são provocações e reflexões que
necessitam aprofundamento. Hoje, números e informações sobre uma das maiores e
mais perversas secas acontecidas recentemente no Nordeste.
Numa perspectiva de cadencia, a intenção é fazer uma
leitura das ações, ou não ações, do Estado brasileiro. O parâmetro da análise
será a relação das secas e seus efeitos no Semiárido e a criação do Programa
Nacional de Cisternas acontecido ano passado.
De 1979 à 1983 - “O Genocídio do Nordeste”.
A criação do Programa Nacional de Apoio à Captação de
Água de Chuva e Outras Tecnologias Sociais de Acesso à Água - “Programa
Cisternas”, de iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (MDS), regulamentado pelos Artigos 11 à 16 da Lei n, 12.873, de 24 de
outubro de 2.013, além de ser uma ação proativa do governo brasileiro, é um
marco na história do acesso a água e aos recursos naturais na região. É
resultado concreto e simbólico da luta histórica das famílias camponesas no
Semiárido. Expressa o acúmulo e o momento que vivem as famílias do meio rural
semiárido, que organizadas, tomam pra si a construção de suas histórias, e a
partir de suas necessidades, propõem e cobram ações de convivência com a
região. É fruto das mobilizações de agricultores e agricultoras, a exemplo das
acontecidas em Feira de Santana no ano 2008 e em Petrolina/Juazeiro no final de
2011. É também fruto das Romarias da Terra e das Águas, dos Gritos da Terra,
dos Gritos dos excluídos, dos Abris Vermelho, das Marchas das Margaridas, e de
tantas outras machas construídas em cada região do Semiárido. Traz na sua
gênese os acúmulos e aprendizados dos povos de Canudos, Caldeirão do Beato Zé
Lourenço, Pau de Colher, Palmares, Ligas Camponesas e tantas outras.
1983 – A possibilidade de construir um novo país.
A ano de 1983 marca o fim de um longo período de estiagem
no Semiárido, período este que Tiniciara em 1979. O cenário era de terra
arrasada. A expectativa de vida no Nordeste era de 52,6 anos. Haviam 22.227.520
flagelados da seca, destes, apenas 2.775 milhões trabalham nas frentes de
emergência recebendo um terço do salário mínimo. A maioria das crianças com até
6 meses se alimentavam só com água e açúcar. Na zona canavieira a desnutrição
infantil chegava a 69,8%. Males como esquistossomose, doença de Chagas,
tuberculose e desnutrição atingiam milhões. Muitos, crianças e pessoas mais
velhas, morriam por inanição. Números oficiais contabilizavam 35 milhões de
crianças desnutridas e um número ainda maior em níveis de miséria absoluta. As
periferias urbanas, destino dos flagelados das secas, inchavam dia após dia
aumentando o exército de desempregados, e por sua vez, a marginalização, o
subemprego, a desnutrição, as populações de rua, a favelização, a prostituição,
a violência e a morte.
Em paralelo, por coincidência ou confluência, de 1979 à
1983, natureza e sociedade se expressam intensamente, de um lado, a seca que
tudo devastava, do outro, a abertura política, a retomada de direitos civis e a
reorganização de organizações sociais livres. A aprovação da lei Lei 6.683 em
28 de agosto de 1979, decretada a Anistia no país, o que beneficia cerca de
2.550 pessoas. Militares e civis. Vários exilados políticos retornam ao país,
entre os quais: Luiz Carlos Prestes, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Gregório
Bezerra, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que havia ficado conhecido
nacionalmente pela referência feita por Aldir Blanc e João Bosco na canção “O
bêbado e o equilibrista”, e também por ser irmão do cartunista Henfil, dentre
tantos outros que voltavam. A coincidência dos fatos, crise política e seca
severa no Nordeste, fazia setores expressivos da sociedade cobrar do governo
respostas mais concretas para sanar os efeitos e consequências da seca. A
abertura política, para além da legalização e criação de partidos e centrais
sindicais, a exemplo do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos
Trabalhadores (CUT), produziu um onda de organizações não governamentais
criadas por profissionais que voltavam do exílio e tinha como proposta acumular
forças a partir da produção de pesquisas socioeconômicas e da assessoria a
grupos de trabalhadores urbanos e rurais.
É importante ressaltar que a criação destas organizações,
somado a luta das pastorais sociais, sindicatos, associações e entidades
criadas nas décadas de 60 e 70 em oposição ao Estado e ligadas a igreja
católica, ou a movimentos ecumênicos internacionais , possibilitou trocas
importantes de conteúdo, percepções e metodologias. Representou um
reposicionamento de grupos e intelectuais orgânicos, que para além de elaborar
propostas e experimentar soluções, percebeu ser ainda necessário denunciar os
descasos do Estado. Neste campo, o sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, do
IBASE, a partir de “O Genocídio do Nordeste ”, ação em parceria com igreja
católica, com destaque para a Comissão Pastoral da Terra (CPT), denunciou a
seca de 1979-1983 e suas consequências, não como fenômeno da natureza, mas,
como fenômeno político, destacando que mais de um milhão de vidas haviam sido
perdidas em decorrência da seca. Um genocídio provocado pelo Estado brasileiro.
No campo conceitual, genocídio aqui deve ser compreendido
na mesma perspectiva trabalhada pelo Betinho, ou seja, “crime contra a humanidade
que visa destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou
religioso, por meio de atos que levem seus membros à morte, lesões à
integridade física ou mental, condições de vida destrutivas, etc .”
Infelizmente, por não haver há época no país instrumentos
legais para apurar as denúncias, a Constituição só seria aprovada em 1988,
Betinho atribuiu posteriormente ao ministro Delfin Neto a responsabilidade pela
não investigação e punição dos culpados.
CONTEXTO HISTÓRICO - Como personagens destacadas daquele
período temos o general João Batista Figueiredo, presidente da República, o
Ministro Delfin Neto, o sociólogo Herbert de Sousa (o Betinho) do IBASE e a
CNBB. No Semiárido, dentre as organizações que surgiram os inícios dos anos 80
podemos citar, dentre tantas, no Ceará em 1981 o Centro de Estudos do Trabalho
e de Assessoria ao Trabalhador (CETRA), e no Piauí, em 1982, o Centro Piauiense
de Ação Cultural (CEPAC). Criadas nos anos 60 e 70, ligadas a igreja ou a
movimentos ecumênicos internacionais, podemos citar na Bahia em 1967 o
Movimento de Organizações Comunitárias (MOC) e na Paraíba, em 1970, o PATAC.
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