Antônio Barbosa, coordenador do P1+2, da ASA
O Semiárido brasileiro tem  vivenciado um momento de forte estiagem. Muitas famílias já estão sem  água para garantir a sua alimentação e a alimentação dos seus animais.  Além disso, produções estão sendo perdidas por conta da falta de chuvas. O Governo Federal, juntamente com os governos estaduais, lançaram  diversas ações emergenciais para tentar minimizar a situação das  famílias em todos os estados da região. No entanto, a sociedade civil  organizada tem pressionado os governos para uma urgência na efetivação  das medidas anunciadas e a garantia da participação nas discussões sobre a seca.
 Nesta edição de nº 11 do boletim O Canto do Sabiá, iniciamos uma série  de entrevistas sobre a seca. Abordando a Convivência com o Semiárido,  por acreditarmos que o conjunto de ações emergenciais para esse momento  são importantes. Mas que também é responsabilidade do governo, ao longo  dos anos, realizar políticas estruturantes de convivência com a região e com o objetivo de garantir uma vida de qualidade a todas as pessoas do  Semiárido. E para iniciar a série, conversamos com Antonio Barbosa,  coordenador do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA).  
Centro Sabiá – Barbosa, combate à seca ou   Convivência com o Semiárido?
Antônio Barbosa –Convivência com o Semiárido com  certeza. Primeiro porque seca não se combate, acho que essa é uma  discussão já antiga e conviver com a região é a grande saída. E seca é  milenar, desde que existe a história do Nordeste, pelo menos quando vai  mudando basicamente o mundo, você tem seca. E seca você não tem só no  Brasil você tem em vários outros países do mundo, inclusive nos Estados  Unidos. Você tem seca na Austrália, você tem seca na Ásia, você tem seca na África e você tem seca no Brasil. Seca é um fenômeno natural, então  se é da natureza é comum, é aceitável, se convive com ela, se previne. E seca está associada, sobretudo a ideia de Convivência com o Semiárido,  porque conviver com o Semiárido é estocar, a principal estratégia é  estocar. E estocar água principalmente para os períodos de estiagem.
Centro Sabiá – Temos vivido um momento onde é colocado que é a  maior seca dos últimos 30 ou 40 anos. E temos visto um movimento dos  governos federal e estaduais de ações emergentes para esse período. Mas  essa situação não poderia ter sido amenizada com ações mais  estruturantes ao longo dos tempos? 
Barbosa – Temos secas que tem ciclos em torno de 30  anos, são as grandes secas. A que estamos vivendo agora é uma delas.  Temos secas que vou chamar de médias secas, mas não são comuns, e temos  secas que acontecem a cada seis anos. Estudos do Instituto Nacional de  Pesquisas Espaciais (INPE) dão conta de registrar que desde quando os  portugueses chegaram ao Brasil, no ano de 1500, nós tivemos de lá para  cá 72 secas, que é um número considerável. Dessas, 40 são anuais e pelo  menos 32 são plurianuais, ou seja, aquelas que acontecem para além de um ano. Essa que nós estamos vivendo é plurianual. E eu acho que essa seca começou de forma mais forte no Ceará no ano de 2010, e ela se expande  agora pra muitos mais estados, mas é uma seca que tende ir até o final  do próximo ano. Então, essa é uma das maiores secas dos 30, dos 40, dos  50 anos, ou em alguns casos dos últimos 60 anos. Seca igual a essa a  gente teve em 1932, mais tarde em 1982, mas também uma outra grande seca em 1915, que possivelmente é a seca que retrata a história do Nordeste, ou seja, o Nordeste é novo. E o Nordeste é novo em duas situações. O  Imaginário de Nordeste, enquanto lugar seco, de pessoas frágeis, de pé  rachado, de criança doente, essa imagem é midiática, imagem construída  pela própria mídia. E nessa seca, inclusive, nós éramos Norte, não  existia Nordeste. Nordeste surgiu para identificar uma região que é  seca. Então a região Nordeste surgiu a partir da seca, ele surgiu  inclusive para determinar a área de atuação do instituto que hoje é o  DNOCS [Departamento Nacional de Obras Conta as Secas]. Anterior a essa  seca, em 1845, nós tivemos uma outra seca já no início do Império. Há  quem acredite que a Indústria da Seca surge daí. Onde Dom Pedro I cria a ideia de uma ajuda e o governo de Dom Pedro II executa essa lógica de  ajuda, de dinheiro para os fazendeiros, a ideia da açudagem, de  construir açudes. E a primeira seca que se tem registro ela é de 1559,  então 59 anos depois dos portugueses chegarem ao Brasil. Essa é uma  questão que se repete. Essa fala longa é pra dizer isso que você dizia  na sua pergunta. A seca se repete, ela tem prazos, do ano de 1559 para  cá são 72 secas. Nós temos uma média de seis anos de duração de cada  seca e o Brasil se preveniu pouco. E se preveniu pouco porque tinha uma  opção clara de beneficiar os fazendeiros, os políticos locais, os  coronéis, beneficiar a lógica da Indústria da Seca. Dizer que essa seca  [que estamos passando agora] é igual as secas passadas é verdade. Dizer  que o Estado brasileiro está nas mesmas condições do passado não é  verdade, porque o próprio Estado foi pressionado pela sociedade.
 Então a seca de 1982 foi um marco no sentido da participação da  sociedade civil nessa caminhada e o início do diálogo da Convivência com o Semiárido. A seca ela está associada a lógica da Indústria da Seca,  de grandes dinheiros, que significa dizer grandes obras, caras e  distantes. E a Convivência com o Semiárido está associada a pequenas  obras, baratas e perto das pessoas. Porque as saídas elas são perto,  elas são locais. A sociedade civil ajudou o próprio Estado brasileiro a  refletir sobre isso. E hoje você tem um conjunto de outras ações que são importantes. Está longe de resolver a situação, mas as organizações da  ASA [Articulação no Semi-Árido Brasileiro] tem uma caminhada  significativa sobre isso e pressionaram o Estado brasileiro a fazer algo diferente. Mas em momentos como esse [de grandes secas] um discurso  errado volta. A Convivência ela é uma ideia, ela é um paradigma, mas não é hegemônico. A ideia do combate à seca ainda é hegemônica, mas eu acho que a gente já caminhou consideravelmente e o Estado brasileiro tem  dado passos importantes, inclusive com algumas ações, como o Bolsa  Família. Pode parecer estranho, mas ajuda as pessoas nesse período a se  alimentarem, e um conjunto de outras iniciativas paliativas. Elas  poderiam ser melhoradas. Ou seja, o governo foi pego de surpresa, quando na verdade ele já sabia que essa seca também existiria.
Centro Sabiá – Que relações políticas são construídas na lógica do combate à seca?
Barbosa – Primeiro dizer que é um retrocesso você  ouvir de um ministro, ouvir da presidente, de um parlamentar, de um  governador, de qualquer autoridade a ideia de se falar de combate à  seca. É uma incoerência, porque seca não se combate. Mas essa fala não é uma desprovida de sentido não. Quem está falando isso sabe do que fala. Pois fala em carro pipa, em grandes açudes, em transferir recursos para um conjunto de políticos que eternamente se beneficiaram, que  antigamente eram os coronéis, hoje é o agronegócio, o hidronegócio e que se beneficiam disso. Fala em perdoar créditos em relação a banco para  grandes e médios produtores, inclusive para a área de irrigação. Fala em criar o que os municípios fazem que são os estados de emergência, ou  seja, com o decreto do estado de emergência eu não preciso mais fazer  licitação, eu não preciso pedir nenhuma permissão ao legislativo, ou  seja, eu entro numa situação que vale tudo e em um ano eleitoral. Os  agricultores também já estão cansados, porque sabem que seca não se  combate, então tem alguma coisa errada aí, a gente precisa avançar num  conjunto de outras ações que não são combate à seca. Nós precisamos  cobrar do Estado brasileiro. Se o governo não se preveniu ele tem que  ter políticas emergenciais, então se você não teve políticas  estruturantes, políticas emergenciais são necessárias. Quem tem sede tem pressa, quem tem fome tem pressa, você precisa garantir uma quantidade  de carros pipas abastecendo as cisternas, abastecendo as famílias, você  precisa garantir, inclusive, distribuição de sementes, paras pessoas  guardarem as suas e poderem usar outras para se alimentar, você precisa  construir estratégias de manutenção dos animais ou pelo menos de  garantir o reprodutor, de garantir suas matrizes, que as famílias não se desfaçam dos seus rebanhos. Para isso eles vão precisar de alimentos  para os seus animais, precisa ter uma lógica de controle da qualidade da água que vai ser distribuída.
 Então, tem um conjunto de ações emergenciais que elas são importantes,  que a gente precisa cobrar e o governo precisa colocar e tem colocado de uma determinada forma, e tem muito dinheiro para isso. Mas e como fazer para que esse dinheiro chegue as pessoas? Que vai sair do governo  federal vai. Se vai chegar as pessoas, vai depender muito da nossa  cobrança de denunciar. A ASA inclusive vai apresentar uma proposta ao  Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e aos Tribunais Regionais Eleitorais  (TRE) no sentido de tentar construir uma campanha nesse período  eleitoral, para dizer que a água é direito. Se alguém está lhe cobrando  voto porque está lhe dando água, denuncie! Água é direito de todo mundo, garanta seu direito, garanta a convivência. Vender o voto está  associado a Indústria da Seca e a cidadania está associada a Convivência com o Semiárido. Acho que esse é um caminho que a gente precisa  construir. E precisamos cobrar para que nas próximas secas a gente não  sofra como está sofrendo agora.
Centro Sabiá – Que ações a sociedade civil tem construído no  Semiárido junto com as famílias e por que elas são de fato estruturantes ao contrário das ações emergenciais que estão sendo colocadas pelo  governo nesse momento?
Barbosa – A saída para as famílias é uma saída  individual. Para cada família, para cada pessoa a gente tem que garantir água, tem que garantir alimento. E muitas vezes o que o governo  brasileiro faz é trabalhar com estatística ou trabalhar com média. Eu  tenho três crianças e três pães. A criança que tem mais dinheiro come  dois pães, a que tem mais ou menos come um pão e a que não tem não come  nenhum. E no final as estatísticas dizem que tenho três crianças, três  pães e cada uma comeu um pão e isso não é uma verdade. Então a saída ela tem que ser uma saída por família. Eu estou falando isso porque essa é  uma das questões que a Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA) tem  levantado. Ou seja, para cada família no Semiárido que não tem água para beber, que não tem água pra produzir, que não tem sementes, que não tem terra para produzir, que não tem os meios para fazer isso, ela tem que  ser atendida. A nossa ação é chegar às famílias. A ideia do Programa Um  Milhão de Cisternas [P1MC] é para que todas as famílias tenham água.  Você construir o P1+2 que é o Programa Uma Terra e Duas Águas é para que todas as famílias possam ter água para produzir, para que todas as  famílias possam estocar suas sementes, que tenham sua autonomia e essa  autonomia, obviamente, ela gera um conjunto de outras coisas. Ela lhe  permite ficar livre do mercado, ela lhe permite plantar o que você quer, lhe permite construir o seu patrimônio. A ideia da ASA é investir no  sentido de você montar uma infra estrutura no meio rural do Semiárido.  Nós somos no Brasil a região mais povoada no meio rural. Então, é  preciso olhar para esse povo com ações que estão associadas a um  direito.
 O Brasil e o Semiárido serão felizes quando cada família tiver sua água para beber, sua água para produzir, tiver sua semente para guardar,  tiver seus animais para criar, tiver uma educação voltada para essa  região, que leve em consideração as suas questões do dia a dia. São  essas ações que a gente acredita que são estruturantes, podem parecer  pequenas, mas são as pequenas coisas que juntas formam grandes coisas.  Nós não somos contrários a outras coisas, acho que é importante dizer  isso. E a gente precisa cobrar do governo brasileiro nesse momento,  sobretudo que suspenda a lógica das cisternas de plástico, que construa  cisternas de placas, porque elas empregam as pessoas. Elas fazem com que o dinheiro circule e dinheiro circulando significa dizer água,  significa dizer alimento, significa dizer educação, significa dizer  cidadania, significa dizer vida diferente e significa dizer, sobretudo,  Convivência com o Semiárido. Então, acho que são essas ações que a gente precisa caminhar, pra construir um Brasil e um Semiárido melhor e  feliz.
por Catarina de Angola (Centro Sabiá)
foto: Arquivo ASACom
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