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 estiagem é um fenômeno da natureza. A fome, a miséria e a morte daí 
decorrentes, porém, são produtos da ação humana e das políticas 
dirigidas a essas regiões e populações. Não são, portanto, fenômenos 
naturais. A seca é política 
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| por Naidison de Quintellla Baptista, Antonio Gomes Barbosa, Alexandre Henrique Bezerra Pires | 
 (O Semiárido brasileiro já conta com mais de 700 mil cisternas para o consumo humano) 
Chuvas irregulares e mal distribuídas são características do Semiárido.
 Significa chover em alguns lugares mais que em outros e que nem sempre 
as águas que caem são suficientemente armazenadas para atender às 
necessidades das pessoas. Quando esse processo se intensifica, há as 
grandes secas. Desde 2010 o Semiárido brasileiro passa por uma das 
maiores secas dos últimos trinta anos.Segundo a Agência Estadual de Planejamento e Pesquisa do Governo de Pernambuco, nesse estado a lavoura do milho decresceu 80,4%; a do feijão, 70,3%; as lavouras temporárias, 11,7%; e a pecuária, 28,4%. Outros dados, da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais (SEI), mostram que a Bahia diminuiu em 44,4% a lavoura do feijão; 23% a da mandioca; e 8,1% a do milho. De acordo com o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), a agropecuária diminuiu em 20,11%. Esses fatos geram impactos em toda a economia e prejudicam a todos: os ricos e os pobres, os grandes e os pequenos. No entanto, são os sem-terra, os agricultores familiares, os mais pobres que sofrem perdas irremediáveis, que colocam em risco seus rebanhos, suas sementes, suas famílias e sua própria vida. Os testemunhos e constatações nesse campo são publicados a cada dia e são irrefutáveis. No Brasil, de cada dez famílias de agricultores que vivem no meio rural, cinco estão no Nordeste, sobretudo no Semiárido. Portanto, a desestruturação é sentida diretamente nas economias locais. E, globalmente, todos sentimos esse fenômeno na elevação do preço dos alimentos. Um fenômeno político Nesse contexto, algo é evidente: a estiagem é um fenômeno da natureza. A fome, a miséria e a morte daí decorrentes, porém, são produtos da ação humana e das políticas dirigidas a essas regiões e populações. Não são, portanto, fenômenos naturais. A seca é política. Por isso, é importante avaliar as estratégias e políticas que se dirigem ao Semiárido. Para tanto, vamos utilizar reflexões a esse respeito publicadas pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). A rede afirma que a seca atual, embora ainda contenha em si as mazelas e injustiças do projeto político da indústria da seca, “traz consigo outro viés que tem tornado a população mais capaz de resistir, de ser cidadã e deixar de ser manipulada”.1 A existência de uma população com tais características só é possível quando associada a processos de convivência com o Semiárido. Para a ASA, estase estrutura na posse da terra e na ideia de resgate e valorização dos conhecimentos e potencialidades de agricultores e comunidades, na construção de inovações sócio-organizativas de produção, de economias baseadas na solidariedade e na participação. No entanto, para que a convivência com o Semiárido se torne paradigma dominante na região, máxime nas políticas, será preciso, primeiro, derrotar a hegemonia do combate à seca. Nesse sentido, a ASA destaca: “No Brasil e no Semiárido, as secas sempre foram oportunidade fértil para as oligarquias aumentarem suas posses de terras, se locupletarem dos recursos públicos, conseguirem, com recursos públicos, obras vultosas e caras para beneficiar suas propriedades e de seus comparsas políticos, enraizarem seu poder político à custa da miséria da população, exposta em filas à busca de gotas de água e migalhas de alimentos. Aliadas a esse quadro, as secas expulsam de suas terras e de seu torrão natal centenas de milhares de cidadãos do Semiárido... A oligarquia e os políticos dela oriundos e a ela ligados sempre explicaram esse fenômeno como algo de responsabilidade da natureza, esquecendo-se, intencionalmente, das decisões políticas deles próprios e dos governantes. Creditam, assim, à natureza aquilo que é responsabilidade e resultado das decisões políticas”. Reconhecendo os avanços e limites do que está sendo feito hoje, a ASA afirma: “Efetivamente muitas políticas e programas se espalham pelo Semiárido, tornando-o, de certo modo, diferente, mais humano, mais adequado à convivência com o clima e suas intempéries... Eis alguns exemplos: O Bolsa Família, acrescido do Bolsa Estiagem, enquanto ações emergenciais; a extraordinária malha de captação de água construída no Semiárido através das cisternas, resultado da ação de vários parceiros que com isso se envolveram, especialmente a ASA e o governo federal; essa malha, contando com mais de 700 mil cisternas de consumo humano, armazena milhões de litros de água outrora desperdiçados e o faz de forma democrática e desconcentrada; a malha de captação e distribuição de água para produção e dessedentação de animais, através das mais variadas tecnologias sociais; as adutoras e processos semelhantes de abastecimento da população. As ações do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e de compra da alimentação escolar (Pnae), que estruturaram propriedades, criaram e enraizaram bancos de sementes e processos de armazenamento de grãos e sementes; o crédito destinado à agricultura familiar e os processos de assistência técnica, embora ainda carentes de uma adequação mais radical à realidade do Semiárido e agroecologia e carentes, igualmente, de uma radical desburocratização; os processos agroecológicos implementados, especialmente em razão da teimosia de ONGs. Todos esses processos fizeram que o Semiárido estivesse um pouco mais preparado para esta seca... e atravesse-a com vida digna”. No entanto, se todos esses elementos são importantes e fundamentais, é estratégico deixar claro que esses processos ainda não são políticas universalizadas e, por isso, a miséria e a fome perpassam o Semiárido neste momento. Enquanto elemento estruturante e essencial para efetivação da plena convivência com o Semiárido, a ASA é enfática sobre a urgente necessidade de enfrentar o problema do acesso à terra na região. Para tanto, destaca: “Em todo tempo, mas especialmente numa época de seca, é perceptível a necessidade de uma reforma agrária eficiente e adequada ao Semiárido, para garantir terra para as pessoas viverem e trabalharem [...]. O governo, no entanto, teima em ignorar esse problema. Efetivamente, ou se disponibiliza o acesso à terra ou milhares e milhares de famílias do Semiárido nunca terão as efetivas condições de conviver com o Semiárido, porque lhes faltará o espaço necessário para guardar a água, produzir e armazenar alimentos, criar animais, plantar”. Indo além, constata-se que a convivência com o Semiárido está direta e umbilicalmente associada à cultura do estoque. Estocar é uma estratégia que muitas famílias da região já praticam e que precisa ser ampliada e incentivada. Por isso, o limite da terra impede a convivência e a vida no Semiárido. A convivência na prática A ASA, ao falar em cultura, política e estratégia de estoque, expressa a necessidade de que a assistência técnica, o crédito, as infraestruturas e todas as ações desenvolvidas com os agricultores na região explicitem e dinamizem essa perspectiva. Essa não é uma dinâmica nova na humanidade, mas uma característica principalmente de regiões em que as condições para plantio são temporais e exigem estratégia de manutenção e armazenamento de alimentos. Aqui, ao dar relevo a essas estratégias, estabelecemos uma relação com o que vem fazendo a ASA em parceria, sobretudo, com o Estado brasileiro e a cooperação internacional: 1) Estocar água para os períodos de poucas chuvas. Os programas Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC) e Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da ASA, têm garantido as condições mínimas das famílias terem acesso à água para o consumo humano e para a produção. Atualmente são mais de 700 mil famílias com água para o consumo humano, o que corresponde a aproximadamente 3,5 milhões de pessoas. Alegra-nos constatar que a proposta de cisternas da ASA se transformou no Programa Cisternas do governo federal, que busca atender a 1,25 milhão de famílias e, por conseguinte, contemplar 6,25 milhões de pessoas. 2) Selecionar e estocar as melhores sementes nativas para o plantio nos anos seguintes e armazenar também para o consumo. Essas práticas garantem às famílias camponesas um forte grau de soberania sobre sua produção e seu alimento, além de preservar os conhecimentos locais e possibilitar a construção de relações solidárias, gerando autonomia e consciência político-organizativa, e fortalecendo as redes locais de troca e produção de conhecimentos e material genético. Hoje, em razão do trabalho de centenas de organizações, estão estocadas em casas comunitárias de sementes dezenas de variedades de sementes agrícolas crioulas. É essa prática que ainda tem preservado as sementes crioulas da contaminação dos transgênicos e de outras iniciativas do agronegócio que degradam os conhecimentos tradicionais e a biodiversidade. A instalação de uma unidade da Monsanto, uma das dez maiores empresas multinacionais de produção de agrotóxicos e sementes híbridas, na cidade de Petrolina, no Semiárido pernambucano, constitui forte ameaça à agricultura familiar camponesa na região. Iniciativas dessa natureza dialogam com um modelo de desenvolvimento rural ultrapassado quando olhamos as dimensões da sustentabilidade, uma vez que está baseado na dependência de insumos, no esgotamento dos recursos naturais e na degradação socioambiental. Esse tipo de investida, que conta com apoio do Estado brasileiro, segue na contramão de uma necessidade planetária de mudança no padrão de produção e consumo, que permita minimizar as mudanças no clima e como consequência os impactos nas populações mais vulneráveis, entre as quais aquelas do Semiárido brasileiro. Também se torna contraditório na medida em que outras estratégias são percebidas, como é o caso da criação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo). 3) Estocar alimento para os animais valorizando o cultivo e uso de plantas da Caatinga é algo também significativo. São várias as estratégias adotadas pelas famílias, desde o cultivo de espécies como palma e mandacaru, essenciais para a manutenção dos rebanhos. As práticas mais comuns são os campos de proteínas com espécies forrageiras e o manejo sustentável da Caatinga, assim como as práticas de armazenamento com o feno e o silo. 4) A criação de raças adaptadas ao clima e às necessidades das famílias integra também as preocupações relacionadas às condições de viver e produzir no Semiárido. No entanto, não é difícil encontrar iniciativas, muitas delas com financiamentos públicos, que estimulam a criação de raças de animais com origem em climas não semiáridos, sob a alegação de melhoramento genético. 5) Outra iniciativa estratégica na convivência com o Semiárido e que tem gerado transformações para muitas famílias na região são os Fundos Rotativos Solidários (FRS). Esses fundos, cuja gestão é feita pelos próprios grupos e associações locais, têm possibilitado o acesso rápido e desburocratizado a pequenos recursos que são utilizados principalmente para incrementos de infraestruturas produtivas: melhoria de cercas, bombas para pequenas irrigações, melhoria dos currais dos animais, equipamentos para criação de abelhas, equipamentos para beneficiamento da produção, máquinas para produção de forragem, entre outras necessidades. Esses recursos, em sua maioria oriundos de apoios internacionais, têm possibilitado uma maior participação das mulheres, sobretudo nas atividades econômicas da produção familiar. Esse tipo de iniciativa econômica favorece a construção de laços de solidariedade entre as pessoas, organizações locais e comunidades, de modo que a inadimplência no repasse dos recursos é insignificante do ponto de vista percentual. O governo, no entanto, atua com enorme resistência quando se trata de ampliar essas experiências e nelas injetar recursos. Muitas dessas práticas de convivência com o Semiárido estão registradas nos boletins O Candeeiro, ferramenta de comunicação utilizada pela ASA para disseminar esses conhecimentos, assim como na plataforma “Agroecologia em Rede”, um sistema de informação sobre iniciativas em agroecologia de iniciativa da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). A história é dialética. Desse modo, importa perceber o significado desse conjunto de estratégias de convivência com o Semiárido, todas simples, acessíveis, protagonizadas pelas famílias agricultoras e que contam, em muitos casos, com o apoio dos governos; importa reconhecer os avanços no campo das políticas públicas para a agricultura familiar camponesa. No entanto, isso é muito pouco. Assim, é preciso questionar profundamente iniciativas que vão de encontro a esses processos, como a continuidade de investimento em grandes obras no Semiárido, em sua maioria excludentes e que reproduzem as políticas de combate à seca, entre as quais a transposição do São Francisco; questionar o financiamento de projetos que degradam a biodiversidade e esgotam os recursos naturais; questionar a omissão do governo no que se relaciona ao problema do acesso a terra; questionar o persistente modelo de assistência técnica que desvaloriza os conhecimentos locais e apregoa a dependência de insumos químicos, assim como a falta de investimentos em uma matriz energética que preserve os recursos naturais e biológicos e iniciativas que colocam em xeque a soberania alimentar e nutricional da população do Semiárido e sua autonomia política nas decisões sobre caminhos para uma vida com mais dignidade. 
Naidison de Quintellla Baptista  
Educador, secretário executivo do Movimento de Organização Comunitária 
(MOC) e coordenador executivo da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)Antonio Gomes Barbosa Sociólogo e coordenador do Programa P1+2: Uma Terra e Duas Águas, da Articulação do Semiárido Brasileiro/ ASA Alexandre Henrique Bezerra Pires Biólogo, mestre em Extensão Rural e Desenvolvimento Local pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e coordenador-geral do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá. Ilustração: Hans Vou Manterffel / Arquivo ASA  | 
              
| 02 de Abril de 2013 | 
| Palavras chave: Brasil, seca, nordeste, estiagem, Semiárido, cisternas, água, política, rural, fome, miséria, desigualdade, campo, movimento social, desenvolvimento, meio ambiente, Bolsa Família, PT, governo, oligarquia, direitos humanos, Pernambuco | 
O Semiárido é belo é um espaço de informações, debates, diálogos, imagens e troca de experiências. Um olhar sobre o lugar, as peculiaridades, as identidades e os valores simbólicos. Sem dúvida um dos lugares mais belos do planeta.
sábado, 13 de abril de 2013
A estiagem e a seca em um novo contexto do Semiárido brasileiro
quarta-feira, 27 de março de 2013
Barragem Subterrânea
quarta-feira, 13 de março de 2013
Sementes crioulas no Semiárido.
terça-feira, 8 de janeiro de 2013
Sementes Crioulas [00:26:10] - Data de Exibição -- 18-12-2012
A defesa do plantio das sementes criolas é um dos principais focos projetos idealizados pela articulação semiárido brasileiro. Para falar sobre o assunto convidamos o sociólogo e Coordenador do ASA, Antônio Barbosahttp://www.canal.fiocruz.br/video/index.php?v=sementes-crioulas
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Semente transgênica invade o semiárido brasileiro. Entrevista especial com Antônio Barbosa
Sexta, 30 de novembro de 2012     
“Hoje, parte da Política Nacional de Sementes nega a semente crioula, negando a identidade das famílias”, lamenta o coordenador da Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA.
Confira a entrevista.
A seca mais intensa dos últimos 30 anos coloca em pauta temas como a convivência com o semiárido e aponta uma preocupação especial em relação às sementes crioulas características de cada município da região Nordeste. Segundo Antônio Barbosa, em consequência da seca e da falta de uma política pública de incentivo aos agricultores, muitas sementes estão desaparecendo e a recuperação das espécies pode demorar de sete a dez anos. Nesse sentido, as políticas públicas “introduzem novas sementes, quando na verdade deveriam partir de uma lógica de resgate, no sentido de apoiar casas e bancos de sementes familiares, sobretudo comunitários”, informa.Diante desse cenário, outra preocupação é com o aumento da produção agrícola transgênica no semiárido. “A transgenia tem avançado de forma ilegal, especialmente em algumas culturas específicas, como o feijão”. De acordo com Barbosa, o litoral do Nordeste é o canal de entrada das sementes na região. Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, ele esclarece que o “avanço da transgenia não passa necessariamente pelos agricultores. Existe uma distribuição de sementes em pequena escala”. A preocupação, enfatiza, é que “em um período de seca como esse, onde os agricultores perdem suas sementes, haja um avanço das sementes transgênicas”. E dispara: “Se antes nossas sementes não tinham nenhum apoio do Estado, hoje elas são ameaçadas por ele”.
Antônio Barbosa (foto abaixo) é coordenador do programa Uma Terra e Duas Águas, da Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é o conceito de semente crioula adotado pela Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA, e como ela facilita a convivência no o semiárido?
IHU On-Line – Existe uma diversidade de sementes crioulas de acordo com cada região do semiárido?
Antônio Barbosa – Sim. Há uma diversidade grande de sementes crioulas, especialmente na região Amazônica. O Nordeste possivelmente é a região onde se tem a maior variedade de sementes do país, porque 50% das famílias que vivem no meio rural encontra-se nesta região. Elas mantiveram várias características da agricultura tradicional, e por conta disso conseguiram cultivar culturas variadas, como feijão, fava, hortaliças, amendoim e gergelim.
Quando falamos de sementes, não estamos falando apenas de semente vegetal, mas também nos referimos aos animais. De cada dez caprinos que existem no Brasil, pelo menos oito estão na região do semiárido.
IHU On-Line – As famílias conseguem garantir a subsistência somente a partir do cultivo das sementes crioulas?
Antônio Barbosa – Inicialmente sim. Mas o cultivo das sementes crioulas também depende das políticas públicas. Então, dependendo da forma como for constituída, ela poderá fortalecer os sistemas de semente crioula ou desestruturá-los. Hoje, parte da Política Nacional de Sementes nega a semente crioula, negando a identidade das famílias portanto.
Muitas sementes já foram distribuídas pelo governo via Embrapa, quebrando com essa tradição das famílias utilizarem a semente crioula. Mesmo assim, a maioria dos agricultores, mais de 1,5 milhão de famílias que vivem no meio rural, cultivam suas próprias sementes.
Nesse ano, em que nós estamos vivendo uma das maiores secas dos últimos 30 anos, muitas sementes estão desaparecendo, e vai levar certo tempo para recuperá-las. Nesse sentido, as políticas públicas introduzem novas sementes, quando na verdade deveriam partir de uma lógica de resgate, no sentido de apoiar casas e bancos de sementes familiares, sobretudo comunitários.
IHU On-Line – 1,5 milhão de famílias representa que percentual?
Antônio Barbosa – Existem quatro milhões de famílias no meio rural. Dessa, dois milhões estão no Nordeste. Então, quando falo de 1,5 milhão, me refiro a mais de ¼ das famílias que cultivam sementes crioulas.
IHU On-Line – Existe uma política pública que favorece o uso da semente crioula?
Antônio Barbosa – Não existe nenhuma política pública do governo federal de manutenção das sementes crioulas. Existe uma política, que faz parte do programa Brasil sem Miséria, pela qual o governo tem trabalhado numa perspectiva de sementes “melhoradas da Embrapa”. Eles trabalham com duas, três ou, no máximo, quatro variedades de sementes, que são distribuídas para os agricultores. Não estou dizendo que não sejam boas sementes, mas elas não são conhecidas historicamente pelos agricultores, porque não foram cultivadas, armazenadas e guardadas por eles.
As iniciativas de valorização das sementes crioulas ainda são incipientes, e realizadas pela Companhia Nacional de Abastecimento – Conab. Temos perspectivas de que a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica incentive o uso das sementes crioulas, porque elas são a base de tudo: da produção, da organização. A perspectiva de a humanidade deixar de ser nômade e sedentária só foi possível graças às sementes, ou seja, a partir do momento em que eu domestico minha semente, conhecendo-a e sabendo como ela funciona, é ela que me permite mudar determinada forma de comportamento.
IHU On-Line – Como mantém os bancos de sementes crioulas?
Antônio Barbosa – Nós temos um conjunto de iniciativas de manutenção de bancos comunitários de sementes, e as famílias guardam aquelas que têm. Boa parte das famílias estoca semente em casa, em um banco familiar. Além disso, temos aproximadamente mil bancos comunitários com variedades significativas. Mas essas são iniciativas que ocorrem no campo da sociedade civil, com pouco apoio parlamentar. Neste momento, precisamos de uma política que apoie novos estoques de sementes.
IHU On-Line – Como as sementes crioulas sobrevivem ao uso de agrotóxico e da transgenia? Aumentou o uso de sementes transgênicas no semiárido?
Antônio Barbosa – A transgenia tem avançado de forma ilegal no semiárido, particularmente em algumas culturas específicas tais como o feijão. A ASA está trabalhando para em 2013 coletar sementes no semiárido e fazer teste de transgenia. Percebemos que existe um avanço significativo; por isso solicitamos ao governo federal áreas livres de transgênicos.
IHU On-Line – Os transgênicos prejudicam a produção orgânica?
Antônio Barbosa – O algodão transgênico pode interferir na produção do nosso algodão. O problema é que as sementes transgênicas têm entrado pelo litoral, pelo porto de Recife, pelo porto de Fortaleza, pelo Rio Grande do Norte e Natal. Ou seja, existe um avanço significativo das sementes transgênicas que interferem diretamente na nossa produção.
IHU On-Line – Quais são as cultuas transgênicas cultivadas no semiárido?
Antônio Barbosa – O milho transgênico tem avançado significativamente. A soja também, mas os agricultores não têm o hábito de plantar muita soja. Porém, a transgenia aumentou nas culturas de algodão, arroz e feijão, sendo esta última uma das culturas mais fortes no semiárido.
IHU On-Line – Como os agricultores se manifestam em relação ao uso da semente transgênica?
Antônio Barbosa – O avanço da transgenia não passa necessariamente pelos agricultores. Existe uma distribuição de sementes em pequena escala. A nossa preocupação é que em um período de seca como este, em que os agricultores perdem suas sementes, haja um avanço das sementes transgênicas. Por isso digo que a introdução dessas sementes é uma ação clandestina, porque os agricultores não sabem que estão recebendo sementes transgênicas. Precisamos fiscalizar e fazer um levantamento do que significa as sementes transgênicas para o semiárido hoje. Os agricultores são contra o uso dessas sementes, mas o Estado brasileiro pode, de forma irresponsável, introduzir variedades de sementes transgênicas.
IHU On-Line – Quais as expectativas em relação à aprovação da Política Nacional da Agroecologia e Produtos Orgânicos para o semiárido? Como as sementes crioulas são abordadas nesta Política?
Antônio Barbosa – A lei que rege a questão de sementes privilegia as sementes híbridas, as sementes transgênicas. No entanto, a recente Política Nacional da Agroecologia e Produtos Orgânicos reconhece as sementes crioulas como sementes. Antes isso não acontecia. Então, uma das conquistas da política pública é reconhecer a semente crioula como tal. Por outro lado, a Política Nacional permite a comercialização dessas sementes, e não a troca, tal como estava previsto. O fato de reconhecerem as sementes foi uma grande vitória, porque nos permite debater numa perspectiva conceitual o significado da semente crioula para as comunidades agrícolas. Isso também ajudará os agricultores, porque até então o banco não fornecia empréstimo para investimento em semente crioula.
IHU On-Line – Quais são as maiores dificuldades e desafios de convivência com o semiárido, considerando a seca deste ano?
Antônio Barbosa – Um dos principais desafios é repor as sementes dos agricultores, que foram perdidas, e os animais, porque eles são a base da economia local, da economia familiar. Os agricultores guardam seus animais não para comer ou vender, mas como poupança, ou seja, se adoecer um filho, vendem o animal para comprar remédio. Então, a base da economia local são os animais. Por causa da seca, os sertanejos estão perdendo os animais e as sementes. O governo brasileiro deveria criar uma política que possibilitasse a recuperação dos animais e das sementes. Isso porque, quando se perde o rebanho, demora-se em torno de seis a dez anos para recuperá-lo. No caso das sementes, algumas não se recuperam mais.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?
Antônio Barbosa – As famílias precisam fazer um esforço considerável de manter suas sementes, de discutir em comunidade, estocar sementes para evitar o uso dos transgênicos. Se antes nossas sementes não tinham nenhum apoio do Estado, hoje elas são ameaçadas por ele. Elas estão correndo perigo. Defendê-las não é uma questão só da família sertaneja; defendê-las é uma questão nacional, porque elas são um patrimônio genético.
segunda-feira, 3 de setembro de 2012
EXPRESSÃO NACIONAL DISCUTE A SECA NO NORDESTE (BL.2)
As secas continuam a ser um drama no sertão nordestino, onde o acesso à água e à alimentação permanece escasso. A estiagem que atingiu o Nordeste no começo de 2012 foi a pior dos últimos 30 anos. A região mais afetada é o semiárido nordestino, principalmente do estado da Bahia, onde cerca de 230 municípios foram atingidos. Municípios de Alagoas e Piauí também sofrem com a falta de chuvas. O problema não é novo. Entra e sai governo, e medidas ainda precisam ser tomadas.
Só em 2012, segundo o Palácio do Planalto, o Governo anunciou um pacote de cerca de R$ 2,7 bilhões. O repasse é equivalente a um terço do valor da transposição do rio São Francisco, obra que estava prevista para acabar este ano e deveria levar água para 12 milhões de pessoas em Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Entretanto, a última previsão do governo federal para o término da obra é dezembro de 2015, a um custo de R$ 8,2 bilhões.
Os governos acertam em tomar medidas pontuais? O que fazer para acabar com a seca no Nordeste? Qual o impacto na vida das pessoas e quem lucra com a seca?
As secas continuam a ser um drama no sertão nordestino, onde o acesso à água e à alimentação permanece escasso. A estiagem que atingiu o Nordeste no começo de 2012 foi a pior dos últimos 30 anos. A região mais afetada é o semiárido nordestino, principalmente do estado da Bahia, onde cerca de 230 municípios foram atingidos. Municípios de Alagoas e Piauí também sofrem com a falta de chuvas. O problema não é novo. Entra e sai governo, e medidas ainda precisam ser tomadas.
Só em 2012, segundo o Palácio do Planalto, o Governo anunciou um pacote de cerca de R$ 2,7 bilhões. O repasse é equivalente a um terço do valor da transposição do rio São Francisco, obra que estava prevista para acabar este ano e deveria levar água para 12 milhões de pessoas em Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Entretanto, a última previsão do governo federal para o término da obra é dezembro de 2015, a um custo de R$ 8,2 bilhões.
Os governos acertam em tomar medidas pontuais? O que fazer para acabar com a seca no Nordeste? Qual o impacto na vida das pessoas e quem lucra com a seca?
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