O Semi-Árido é, sem dúvida, um dos ecossistemas mais intrigantes e fascinantes  do planeta! Esta expressão, que caracteriza admiração e encantamento, é a de  quem passa a observar de perto esta região, sobretudo, estudiosos da Biologia,  Botânica, Antropologia, Geografia, Paleontologia, História, Sociologia,  Jornalismo, Fotografia, dentre tantas outras áreas do conhecimento.
Rico  em biodiversidade, o Semi-Árido, que alguns preferem denominar de “sertão”, para  diferi-lo do litoral, apresenta mais de 160 microclimas, de acordo com a Embrapa  Semi-Árido; todos caracterizados por um alto poder de resistência e resiliência.  Mesmo com longos períodos de estiagem, plantas e animais resistem e apresentam  grande capacidade de regeneração. E é só cair as primeiras chuvas e tudo que era  cinza e parecia morto, vira verde e esbanja vida.
É também no Semi-Árido,  de acordo com a pesquisadora Niéde Guidon, que se registram as primeiras marcas  de ocupação humana das Américas. Ou seja, podemos dizer que a riqueza dessa  região não se expressa apenas em sua fauna, flora, pinturas rupestres e/ou  formações rochosas (cristalino na maior parte). O maior patrimônio do Semi-Árido  é, principalmente, a diversidade cultural de seu povo: agricultores/as,  vaqueiros/as, ribeirinhos/as, quilombolas, indígenas, extrativistas,  quebradeiras de coco; que cultivam, criam, extraem, cantam, dançam, observam e  produzem conhecimentos.
Portadores de um vasto saber, adquiridos a partir  da observação da natureza ao longo dos tempos, homens e mulheres aprenderam a  arte de conviver com o meio ambiente, olhando os ciclos das chuvas, o  comportamento das plantas, dos animais e as características do clima e do solo.  Foi esse conhecimento que construiu as melhores estratégias de convivência com o  Semi-Árido, favorecendo o armazenamento de água para o consumo da família,  através das cisternas; dos animais e das plantas por meio dos barreiros, tanques  de pedra, caldeirões, barragens subterrâneas; e a estocagem de comida (bancos de  sementes, paiol, armazéns, etc.) e forragem para os animais (pastagens nativas,  silos, fenos).
É respeitando e valorizando esses saberes que a  Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA), rede com mais de 750 entidades que  atuam na região, vem pautando sua ação em políticas que garantam água para o  consumo humano e para a produção de alimentos. Na primeira linha está o Programa  de Formação e Mobilização Social: Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC), que hoje  possibilita que cerca de 1 milhão de pessoas tenham água de qualidade para  beber, ao lado de suas casas. O impacto social e econômico desse programa é  incalculável.
Na segunda linha está o Programa de Formação e Mobilização  Social: Uma Terra e Duas Águas - P1+2, que visa promover a segurança alimentar e  geração de renda das famílias do Semi-Árido através do manejo e acesso  sustentáveis da terra e da água para produção de alimentos.
No P1+2 serão  realizados encontros estaduais, microrregionais, municipais, oficinas de  convivência com o Semi-Árido; intercâmbios; sistematização de experiências e a  implementação de tecnologias hídricas apropriadas à região. Na fase  demonstrativa, serão implementadas 65 barragens subterrâneas, 71 cisternas  adaptadas para roça, três barreiros e cinco tanques de pedra, que beneficiarão  818 famílias de dez estados (AL, BA, CE, MA, MG, PB, PE, PI, RN, SE) do  Semi-Árido.
O P1+2 é uma iniciativa da ASA e conta com financiamento da  Fundação Banco do Brasil e Petrobras, e apoio da Rede de Tecnologias Sociais –  RTS. Esse conjunto de ações, somado a outras importantes iniciativas que surgem  em toda a região semi-árida brasileira, desenvolvidas por agricultores,  agricultoras e organizações sociais, apontam para um projeto de desenvolvimento  sustentável para o Semi-Árido baseado na convivência com a  região.
*Antônio Gomes Barbosa é Sociólogo e Coordenador Pedagógico do  P1+2
Fonte: www.asabrasil.org.br
O Semiárido é belo é um espaço de informações, debates, diálogos, imagens e troca de experiências. Um olhar sobre o lugar, as peculiaridades, as identidades e os valores simbólicos. Sem dúvida um dos lugares mais belos do planeta.
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
Agricultura familiar e juventude rural no Semiárido. Um mundo de significados.
Antonio Gomes Barbosa
Sociólogo, Coordenador do Programa
Uma Terra e Duas Águas – P1+2, da
Articulação no Semiárido Brasileiro - ASA
[1] Engels, Frierich. A Dialética da Natureza, Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1979. 3 ed.
Sociólogo, Coordenador do Programa
Uma Terra e Duas Águas – P1+2, da
Articulação no Semiárido Brasileiro - ASA
Fica certo de que eu nunca desejaria trocar minha sorte miserável contra a tua servidão. Porque prefiro mil vezes a prisão neste rochedo que ser, de Zeus pai, fiel lacaio e mensageiro.
(Prometeu agrilhoado, 
Tragédia de Ésquilo)
O presente texto tem como objeto, uma leitura, ainda que breve, da construção social e histórica da juventude no meio rural, em especial, da juventude rural no Semiárido, suas nuanças, meios de produzir riquezas e os muitos sujeitos que se encontram e se confrontam neste espaço. A análise prioriza os significados simbólicos de ser jovem neste universo controverso de singularidades e pluralidades. A opção foi fazer a leitura a partir da combinação de dois lugares, (i) o rural, organizado em dois grandes modelos: o tradicional, historicamente construído, e o convencional, também conhecido como agricultura “moderna”; e (ii) o Semiárido, olhado a partir das relações de poder que se estabelecem, tendo como pano de fundo a negação da identidade, o não direito à sucessão, e o êxodo, situação agravada quando o olhar parte das relações de gênero e geração. Como alternativa, o texto visibiliza o movimento da juventude no princípio dialético da negação da negação[1] e na formação de novos significados.
A agricultura é a forma mais antiga de interferência de homens e mulheres na natureza, ela é a responsável por uma das mudanças mais significativa na história do comportamento humano, sair da condição de nômades para a de sedentários. Este movimento possibilitou o estabelecimento de novas relações sociais, a construção de conhecimentos, o acúmulo de bens e a formação do Estado. Pode-se afirmar que a agricultura é/foi a principal responsável pela existência humana nos moldes atuais.
No caminhar da historia, a agricultura, que logo ganhou status de rural, foi se desenvolvendo a partir dos recursos disponíveis: terras, ferramentas, sementes, mão de obra, técnicas de manejo, dentre outros. 
As sementes vegetais e animais, patrimônios genéticos, sempre foram guardadas, estocadas e cultivadas geração pós geração. Em resumo, a centralidade da agricultura familiar camponesa está na sucessão, no conhecimento geracional, nas sementes como patrimônio e no baixo impacto ambiental.
O modelo de agricultura convencional, herdeiro da chamada “revolução verde”, que tem como base a artificialização dos resultados, especializou-se no cultivo de monoculturas para exportação, é altamente dependente de insumos químicos, de credito e de motomecanização, e acarreta uma série de consequências ambientais. A terra, concentrada nas mãos dos latifundiários, se configura artigo de disputa pelas grandes corporações dos maios variados ramos (grão, minérios, celuloses, automobilísticas, fundações, institutos de pesquisa,...). 
A difusão deste modelo no Brasil está diretamente associada aos serviços de assistência técnica e extensão rural (ATER), iniciados oficialmente na década de 50, durante o pós-guerra. Contraditoriamente, o agravamento dos efeitos catastróficos provocados pelo “progresso” da “agricultura moderna” sobre a natureza, geraram desastres e desequilíbrios ambientais e sociais, que impulsionaram o surgimento de movimentos mais organizado de resistência ao padrão dominante de produção agrícola. No meio desta turbulência, a juventude rural configura-se como um espaço em disputa e alvo no sentido mais lato da palavra.
Como resultado deste tipo de agricultura, as famílias agricultoras são incluídas como mercado para os produtos da agricultura convencional, restando-lhes o lixo que sobra como veneno para lavoura, sementes que não germinam, degradação de suas poucas terras e o êxodo.
Como segundo elemento na formação do texto, do lugar, o Semiárido brasileiro, com uma área de 969.589,4 km² com 1.133 municípios[2], e população corresponde a 22.581.687 habitantes, 11,8% da população brasileira[3], as famílias agricultoras[4] representam mais de oito milhões e meio de pessoas, 38% da população na região, mais de um milhão e setecentos mil estabelecimentos agropecuários, 1/3 (um terço) em relação a toda população do meio rural no país[5]., isto significa que estamos falando de um lugar populoso e cheio de significados. 
Caracterizada por prolongado período seco, irregularidade de chuvas, semiaridez do clima e alta taxa de evapotranspiração, a região é marcada por uma histórica estrutura concentradora de renda, riquezas, água e terra. É no Semiárido que se concentra mais da metade (58%) da população pobre do país, segundo o Ministério da Integração Nacional.  Estudos do UNICEF demonstram que 67,4% das crianças e adolescentes no Semiárido são afetados pela pobreza[6]. São quase nove milhões de crianças e adolescentes desprovidos dos direitos humanos e sociais mais básicos, e dos elementos indispensáveis ao seu desenvolvimento pleno.
É neste cenário de negação de direitos que vive a juventude rural do Semiárido, sem perspectivas e sem possibilidade de acessar a terra e seus recursos naturais, muitos constroem desde cedo o desejo de ir para cidade grande desfrutar de uma realidade idealizada. Este comportamento é perfeitamente compreendido quanto se confrontam os imaginários de urbano e de rural nordestino, sendo este último constituído de violência simbólica.
Vitimada, a alternativa aparente para a juventude em geral seria negar o lugar e seus significados, imputando a falta de direito como consequência do lugar e não da política. Para agravar ainda mais a situação, normalmente quando se constrói uma política para manter os jovens no campo, o olhar não é para o rural, a manutenção da juventude no meio rural não está associada ao seu bem-estar, e sim, ao seu possível efeito negativo no espaço urbano, inchaço, violência, etc., ou seja, mesmo as políticas supostamente criadas para o rural são na verdade para o bem do urbano.
A juventude tem uma força tão singular que ela sublima estas questões e resignifica o lugar e constrói para ela mesma outros papeis, constrói formas de resistência e resiliência. A reconstrução do imaginário do rural Semiárido como belo e produtor de conhecimentos é uma estratégia de negação da negação, um dos mais fortes princípios da dialética marxista, não como teoria, mas como sentimento e vivência. Neste movimento, tem papel importante os grupos de jovens, as pastorais rurais, as iniciativas de formação, os pontos de cultura, as rádios comunitárias, os grupos culturais, as escolas família agrícola, as iniciativas de educação contextualizada. A beleza e simplicidade da juventude está, sobretudo, em sua forma de resistir e retomar seus territórios, simbólicos ou materiais, de não ter medo no novo, de acreditar no possível. Os desafios são muitos, mas seu poder criativo e inventivo é ainda maior.
A favor desta juventude, na afirmação de sua identidade, na última década, o imaginário de Semiárido rural tem se fortalecido positivamente a partir de ações de convivência com o meio e da valorização dos conhecimentos endógenos. Hoje, o envolvimento de jovens em ações como o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) e outros, não é apenas mais uma atividade, constitui protagonismo, propósito e tem ajudado na constituição de uma nova ruralidade. A do bem viver.
É neste cenário de significar e resignificar que a juventude rural do Semiárido constrói sua trilha, porém, seria um erro achar que ela é uniforme e tem tudo sob controle, pelo contrário, é plural e diversa, o que a move vai variar de acordo com suas necessidades, desejos, subjetividades. Como juventude, ela é singular e plural. Ela nunca é a mesma e está sempre em processo de formação. Sempre, sempre e sempre, pronta pra lutar.
[1] Engels, Frierich. A Dialética da Natureza, Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1979. 3 ed.
[2] Definição do Ministério da Integração Nacional. 
[3] IBGE, Censo Demográfico 2010.
[4] Estudos desenvolvidos pelo IICA (A Nova Cara da Pobreza Rural no Brasil: transformações, perfil e desafios para as políticas públicas) mostram versões diferentes sobre o tamanho da população no meio rural no Brasil.
[5] IBGE, Censo Agropecuário 2006.
[6] Unicef, 2011.
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